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António Campelo

António Campelo

Aponte

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Vivo na rua, sim. Vivo na rua porque quero e porque gosto, nessa cena. Acho que vou tentar lutar ao máximo, como estava a dizer ao Cade, lutar ao máximo, tipo para ser assim, até ao fim. Se tiver que morrer, toda a gente vai morrer, não é? Estou bem consciente nisso. É o início do fim de semana em Matosinhos. O sol brilha e o vento não é problema para quem opta por dar uma volta à beira-mar. Mas é na rua Alfredo Cunha, em frente ao edifício das Finanças, que se encontra o malabarista e grafiteiro Bezelda. Com a sua simpatia, vai cumprimentando todos os que passam, enquanto que uns respondem de volta com um sorriso. Enchendo-me uma moeda pelo talento, a maior parte ignora a sua presença e julga o seu aspecto. Então, o que é que o motiva a passar por isto? Ah, possivelmente, quando era mais novo, leio muita porrada a cada ver, e fui muito... sempre preso, tipo, não posso fazer isto, não posso fazer aquilo. Então, o que é que eu fazia? Fazia o que não podia fazer. Tentava esconder o máximo, então foi o que me deu mais força. Então, eu fui para a arquitetura de verdade, para sair deste mundo de anãos e estas avaricenas assim. Então, vou-me embora. Bezelda é um morador de rua desde os seus 17 anos. Foi expulso de casa com essa idade e acabou o décimo segundo já a viver na rua. Agora com 28, sente que esta vida é ideal devido à liberdade que tem. Posso todos os dias lutar pelas minhas coisas próprias, não tenho que esperar por alguém para mudar alguma coisa durante não sei quanto tempo, tipo... não vou dizer que seja para sempre, pode ter um dia que não posso conseguir fazer mais, nem não vou para novo, por isso acho que um dia posso não aguentar mais, por isso estou tentando lutar ao máximo para ter um sítio para mim. É ganhar força para seres mais forte, para gostares de conhecer coisas novas, seres mais nova dos mais, conhecimento sobretudo. Foi em sua casa que a conversa decorreu, sempre com um sorriso no rosto, enquanto contava um pouco do que é ser um morador de rua por gosto. Mas porquê? O que é que tem a sociedade errada? Acho que a hipocrisia está a envolver imensas pessoas hoje em dia, está a contrapor-se muito nas cenas, mas pronto, é bá, sempre foi assim, na verdade, não é? E o que te diferencia da comunidade? Nada me diferencia, acho que sou uma pessoa completamente igual às outras, simplesmente tenho um estilo de roupa ou seja diferente, tipo, impressionante diferente, mas já estou igualzinho. Então a gente fala como é a igreja, tens uma pessoa impecável, não é por... Teste atrás, veja o piste, isso é diferente, as pessoas é que têm de conhecer, a única diferença é que as pessoas têm de me conhecer primeiro. De tudo aquilo que presenciamos 11 anos de vida de morador de rua, é assim que Bezelga se sente aos olhos dos outros. É bem muito... Há pessoas que olham para mim e dizem, tipo, automaticamente com um sorriso, bom dia, ou falam mal comigo, porque acham que não vou ser uma boa pessoa, mas muita gente vê-me como uma pessoa muito... forte, vê-me com uma aparência muito forte, até amigos meus próprio dizem, tipo, olha, se eu não te conhecesse eu não falava contigo, pode haver a tomar desmedida, tipo, não, depois até fico um bocado triste com isso, mas é, acho que me vejo um bocado assim, agressivo, não sou agressivo. E a família, Bezelga? O que és para eles? Não sei, acho que não sou nada neste momento. Eu sou muito novo de casa, nunca ninguém quis me saber de mim. Nem eu quero saber, não. Desde 2010, Bezelga afirma já ser largo o número de casas que teve, ora partilhadas com colegas na mesma situação, ora sozinho. Já teve problemas com essas casas, porque acabaram por ser destruídas, por supostamente serem abandonadas. No entanto, a vontade de abarcar a vida que tem é mula. Não, já tive, não acho que seja piada, é tipo, é divertido, lá está, mas tipo, trabalhar demais, já trabalhei, já paguei renda, já fiz de tudo e lá está, trabalhar para morrer, não quero, tipo, eu trabalho, só que não trabalho para estar todos os dias em estresse, para pagar uma renda, ou para, tipo, para os meus filhos estarem bem, ou estarem mal, ter estresse com as pessoas com quem estou. Não, tipo, a minha vida é normal, só que lá está, eu não tenho, como as pessoas dizem, lá está, não tenho regras, eu acordo a hora que quero, vou para onde quero, durmo onde quero, vai, é morro. O principal objetivo para o artista de rua é viver o máximo possível, sem arrependimentos, e o ideal é dar o mínimo de conhecimento às outras pessoas sobre o que sabe. Aposto isto, será que tem alguma influência que lhe dê força? Eu próprio? Não sei, isso é um cara... Responde o Baselga após um breve silêncio. Não sei, isso é um cara que eu gosto sempre de ver acima, não tive muitas influências, conheço muita gente que gosta do que eles fazem, sim, claro, pessoas que eu conheço até da rua, alguns que até já morreram, mas... isso é uma boa influência, se o meu pai não foi uma boa influência, a minha mãe não foi influência, mas sempre como um pai ao mesmo tempo, pode-se dizer assim. Com a sua cavela, Marina, como a sua maior companhia, vê a vida desta forma? É uma coisa que pode acabar muito rápido, num descarro de olhos, literalmente. É, é sim, é. E em relação a temas atuais, como a política? Claro, não passo de cartão, mas enfim, eu acho que é... sempre a mesma bola de neve, as pessoas lutam pelos direitos deles, não têm direitos meninos, os direitos que têm são pequenos, às vezes estão bem rapidamente apagados, podem ter mais problemas, e a pessoa que está lá está sempre a fazer o mesmo, uns prometem e comprem, outros não prometem, é a mesma coisa para mim. Ora, a mim não acontece nada, podem votar em quem quiserem... Então podemos dizer que o Baselga é um artista? Há quem diga que sim, há quem diga que não, eu nunca liguei muito essas cenas dos gizmos e essas cenas assim, dizem que sim, não sou um verdadeiro anarquista, não quero saber de nada, não vejo fluidão nas notícias, só vejo os referentes de casa, mas... eu não, eu vejo-me como uma pessoa normal, simplesmente. Sim, tenho um estilo anarquista. Então, depois desta conversa, quem é o Baselga? Não sei, não. É o que tu quiseres que eu seja, na verdade. Eu não sou camaleão, mas gosto de ser tudo, é só uma pessoa... Gosto de ser feliz, livre, que as pessoas compreendam que eu compreendo tudo, ou que as pessoas compreendam tudo, já estou tão compreendedor. E que conselhos deixa o nosso compreendedor para as gerações futuras? Claro, que tenham uma educação por todos, não olhem tanto para o telemóvel, olhem mais para o céu. E que se divirtam ao máximo, sempre com um sorriso, não se atrapalhem com pequenas coisas que acontecem na vida, tipo problemas familiares e tudo, isso acontece toda hora. Se estás mal, vai dar uma volta, só dá paciência, que tudo há de mudar quando tiveres uma boa independência, ou luta pela tua independência, que acho que é o melhor que os miúdos podem fazer, juventude, toda a gente, em geral, até os mais velhos têm. Bezelga encontra a sua paz na rua, é nela que se sente feliz e livre, e é assim que quer continuar até não poder mais. Daqui a largos anos, quer sejam adozinhos, ou no teu lado qualquer, mas irá ser sempre com um sorriso no rosto, que espera que o encontremos. Velhinho e feliz. Velhinho e feliz, não sei aonde, espero que tenham um bom tempo para estar, mas velhinho e feliz, é.

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