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Muito boa tarde, sejam bem-vindos a mais uma Lisbon Speak Talk. Em nome do Clube de Lisboa dou-vos as boas-vindas a este painel com o tema Regimos Políticos e Democracia com África em Perspetiva. Eu sou a Cristina Pesce e temos hoje como convidado João Onuana, que está em Nova Iorque, antigo Diretor do Departamento de Estudos Políticos das Nações Unidas e uma pessoa com uma vasta experiência em situações e assuntos de paz e sofrança, mediação política e diplomacia preventiva. Pegando na nacionalidade de João Onuana, que é moçambicano, começamos talvez por falar desta última situação em Moçambique, das manifestações que foram violentamente reprimidas, ao ponto de a Comissão de Direitos Humanos do país ter protestado e criticado o uso indiscriminado de força sobre os manifestantes, na verdade sobre a oposição, que contestava os resultados eleitorais nos quais o Partido Popular teria vencido nas eleições autárquicas 65 distritos do país. A minha primeira pergunta a João Onuana é se realmente este protesto acontece porque Moçambique é uma democracia ou se acontece porque uma parte da população se sente excluída e não acredita na democracia de Moçambique. Obrigado, Cristina, por esta pergunta e obrigado também ao Clube de Lisboa por mais uma oportunidade de participar nas vossas realizações. Quanto à pergunta, a questão pode se ver dos dois lados. Eu acho que é um pouco as duas coisas. Por um lado, Moçambique é, do meu ponto de vista indiscutivelmente, uma democracia, mas é uma democracia emergente, é uma democracia imperfeita e incompleta. Estas manifestações surgem justamente porque aquela parte da população viu esta falta de, viu este facto de que a democracia está incompleta, está imperfeita e estão-se a manifestar contra essas imperfeições. Aquilo que eles consideram, digamos, a fraude eleitoral que foi cometida pelos órgãos eleitorais, que na perspectiva de muitos estão ligados ao poder e, portanto, manipularam os resultados para permitir uma vitória do partido fralino. Mas uma vitória mais do que substancial, porque a vitória eu já conhecia, mas à volta dos 60%, este parece mesmo daqueles regimes que não ganham menos de 90%, não é? 99%, não é? Infelizmente, a ser verdade esta proposição que se trata de manipulação dos resultados, é pena que tenha sido tão, como é que eu vou dizer, tão grosseira, não é? Porque eu acredito que manipulações acontecem em vários contextos, não é? Mas aqueles que manipulam procuram fazer as coisas de modo a ter um ar de credibilidade. No caso de Moçambique, de novo, a ser verdade a acusação que os resultados foram manipulados, não é? Então foi um exercício muito pouco sofisticado e realmente que abre a possibilidade destas reclamações todas. Agora, um aspecto particularmente grave é que, mais uma vez, e mais uma vez não estou a falar só do caso de Moçambique, mas de outros casos em África, temos, digamos, os órgãos da lei e da ordem, polícia, não é? Que ou não tem capacidade ou não tem vontade de executar aquilo que se chamaria controlo de multidões de uma forma pacífica, não é? Começa-se com graus lacrimogéneos e depois balas verdadeiras e depois isto e há uma escalada de violência e de instabilidade que podiam ser evitadas. Mas não sei se será falta de treino, será falta de equipamento, mas a realidade é que no fim é isto que acontece. É verdade que se pode dizer que, bom, mas entre os demonstrantes houve pessoas infiltradas que faziam desmandos e partiam vidros de carros e assaltavam lojas, mas isso não é, do meu ponto de vista, a razão que permita a polícia disparar balas verdadeiras e matar pessoas indiscriminadamente. Portanto, não se resolve um erro com um erro mais grave. É preciso encontrar aqui uma forma, por um lado, de educar os demonstrantes, os manifestantes, de modo a evitarem também, sem se organizar, melhor evitar ser infiltrado por gente que quer fazer desmandos, mas por outro lado a polícia tem de ser capaz. E é por isso que tem, quer dizer, o exercício exclusivo da força da sociedade, a polícia tem de ser capaz de ter a maturidade, de distinguir entre alguns infiltrados e balas à toa e mortos de qualquer maneira. Isso não é bom para o próprio regime, para não falar das vítimas, não é? Isso é um problema grave e eu penso que precisa de um exame e de uma decisão muito clara por parte das autoridades. João Amana, falou aí numa coisa muito interessante que é uma democracia imperfeita às democracias iliberais. De repente, há uma data de classificações das democracias, consoante a uma capacidade menor ou maior de obediência ou de cumprimento dos requisitos do que é uma democracia, mas há um elemento-chave que são os processos eleitorais, que muitas vezes dão origem a estes tumultos, a esta reclamação, mas muitas vezes a população não tem verdadeira capacidade, não tem um verdadeiro recurso de conseguir fazer justiça. Há violência, anda para a frente, muitas vezes os tribunais têm, receiam retaliações do governo. Como é que nós podemos classificar isto? E não estamos a falar só da África, certamente. Como é que vê esta, ou seja, dá-se a voto universal, mas na verdade serve exatamente para quê? Isso é um dos grandes desafios que eu encontro, digamos, nas democracias emergentes no Sul de Portugal, particularmente no continente africano, que é, de certa maneira, nós estamos a construir este edifício democrático a partir do teto ou do telhado, sem nos assegurarmos que existem paredes firmes e sólidas que sustentam este teto e por baixo dessas paredes estão fundações devidamente profundas, devidamente abrangentes da sociedade moçambicana, de onde emana todo este edifício. E aí eu diria que não é tanto nossa culpa, isso é por imposição. Há de estar recordada que logo depois da independência o país sofreu, digamos, a agressão da arrodeza de Ian Smith e depois da África do Sul, instrumentalizando aquilo que hoje é aparentemente o partido ganhador das eleições, mas que naquela altura era um instrumento claro desta agressão. Fosse como fosse, quando chegamos ao fim da guerra, quando as partes moçambicanas decidem que a paz é muito mais valiosa e nos permitir mais longe do que a guerra, aí imediatamente vem, quer dizer, para isto, para o novo poder político ser aceito como legítimo, é preciso que haja eleições multipartidárias. Isto se calhar faz sentido e é, como é que eu diria, é uma coisa que não provoca nenhuma discussão em sítios como Portugal, França, Inglaterra, sei lá, Estados Unidos. Já há uma cultura disso, mas no nosso caso, o que me parece que foi acontecendo ao longo de diversos anos depois do fim da guerra, é que a política, e isto é uma corruptela trágica, não é? Da máxima do Foni Klausowitz, a política passa a ser a guerra por outros países. E, então, o nível de agressividade, o nível de, como é que eu diria, de tensão entre estes principais partidos políticos manteve-se muito alto e isso prejudicou exatamente o exercício democrático. E, então, e por que isto? Porque não houve tempo, nem houve investimento em criar aquilo que seria a transformação destes dois antigos, destas duas antigas forças que se degradeavam em parceiros na construção e consolidação da paz no país. Não basta assinar um acordo, não basta fazer eleições, é preciso que haja, de facto, um investimento em tempo e em recursos para fazer com que estas duas abordagens, estas duas abordagens a esta questão de ser moçambicano e do progresso no país moçambico, tenham que se encontrar e tenham que ser capazes de, para além de tudo, aquilo que, de facto, eles escreveram no acordo, não é? O que nos une é muito mais importante do que o que nos divide, somos todos parte da grande família moçambicana. E, então, isso exige investimento, exige investimento na família nuclear, não é? Que haja um entendimento entre o marido, a mulher e os filhos e não sei quanto, mas também exige nessa grande família moçambicana. Não se pode esperar que com o tempo tudo há de ser bem. Não, não, não. É preciso trabalhar nisso. E, honestamente, não me parece que isso tenha sido visto como uma prioridade, nem na altura do acordo de paz, nem agora, nem nestes anos que intercederam. E não me parece que, portanto, o que, digamos, os padrinhos, finalmente, deste acordo de paz querem é, não, não, queremos ver eleições regularmente, eleições livres, justas, transparentes, de cinco em cinco anos, queremos ver direitos a serem observados, queremos ver e acabou-se. Mas como é que se chega lá? Quer dizer, essas mesmas forças, esses mesmos países que hoje, mais ou menos, mais ou menos, podem reclamar isso, não chegaram lá de um dia para o outro, não chegaram lá imediatamente após uma guerra. Portanto, isto é um problema pelo qual eu, francamente, não vejo solução, mas é naturalmente que é mais fácil identificar o problema do que avançar soluções. Mas isto me parece que é um problema que tem que ser atacado e tem que ser resolvido. Ou seja, o que está a dizer, de certa maneira, é que teria de se criar um sistema para mais jovens democracias ou países que tiveram a sua independência de um passado colonial não são exatamente iguais a países europeus. Ou seja, faz parte do texto de promoção desta nossa conversa esta pergunta em que medida a aplicação de modelos de democracia liberal ou de defesa de valores universais, muitas vezes vistos como ocidentais, são parte do problema. Ou seja, falando consigo outro dia, dizia-me que os países africanos após a independência fizeram umas constituições muito ousadas e com um desejo de democracia plena que, na verdade, não coincidiram e muito defendidas para defender as instituições e a prática democrática, mas depois, no fundo, a atividade política não mudou fundamentalmente. Quero desenvolver um pouco esse ponto, que me parece muito interessante. Sim, Cristina. O que me parece, e isto resulta também dos anos que eu passei ao serviço das Nações Unidas, lidando com questões de paz e segurança, maioritariamente no continente africano, mas não exclusivamente. Uma observação que me ocorre fazer é que, como eu tinha dito antes, as nossas democracias são incompletas e são imperfeitas. O que me parece que acontece é que, depois do fim da Guerra Fria, em que praticamente não havia outro modelo que fosse aceitável pela comunidade internacional, que não fosse um modelo declaradamente democrático, e democrático do ponto de vista da democracia liberal, certamente não seria uma democracia popular, mas então, na implementação desse modelo no nosso continente e em outras partes do mundo, não se tomou em conta qual é a base social sobre a qual assenta a ideologia da democracia liberal. Qual é o tecido social que permite que se desenvolvam e que ganhem raiz as ideias da democracia liberal. Tudo isso não foi coassinado, mas correu-se logo para a Constituição, eleições e tal, e como eu disse, o campo da política passou a ser um campo de batalha. A política passou a ser guerra por outros meios. E o problema que daí resulta, parece-me a mim, é que, efetivamente, aquilo que são as bases de uma construção democrática não existem e, portanto, a nossa democracia não tem sustentabilidade, nem tem sustentação. Agora, o que é necessário fazer? Há muita coisa que se podia dizer, mas há duas coisas, a mim, que me parecem fundamentais. Primeiro é que é preciso desenvolver uma visão comum daquilo que é este país. Quer dizer, se todos estes que são moçambicanos apenas porque nasceram lá, têm que saber o que é isto de ser moçambicano. E como é que todos pertencemos a este país e como é que este país nos pertence a todos. Não há ninguém que é mais moçambicano do que outro. Todos somos igualmente moçambicanos. Então, como é que é isto? E isto tem que ser uma construção. Não podemos imaginar que isto vai acontecer por acúmulo dos anos. Não temos esse tempo. Não temos o luxo do tempo que a Europa teve, por exemplo, séculos de construção da nação. Nós não temos. Nós temos que, ao mesmo tempo que estamos a tentar construir o Estado, temos que construir a nação, temos que consolidar a unidade nacional. É uma multiplicidade de desafios, dos quais às vezes não temos sequer consciência e para os quais, certamente, não estamos preparados. De qualqueres maneiras, há bastantes exemplos de que a democracia é frágil. Pensemos em dois e podemos sair da África. A África do Sul, recentemente, uma constituição extraordinária, de que todos se orgulharam e, de repente, a presidência de Jacob Zuma chegou-se a uma captura do Estado. Estados Unidos. Estamos à beira de eleições, ou seja, numa véspera. Está em Nova Iorque e bem se vê que, muitas vezes, estas instituições citas como os exemplos da democracia, apesar de tudo com 200 anos, também parece muito parecido com um campo de batalha. É verdade. É verdade. O que está a acontecer, eu vou sentar-me sobre os Estados Unidos, onde eu estou, portanto, sou mais próximo daquilo que se passa, mas o que está a acontecer é que o tribalismo político, digamos assim, agravou-se de uma forma extraordinária, nos últimos 20 anos, se calhar. E isto manifesta-se na tensão entre os democratas, o Partido Democrata e o Partido Republicano. Seja no Congresso, seja no Senado, seja onde for. Aquilo que tinha acontecido em anos passados, que eram os dois partidos únicos neste país, encontravam-se no Parlamento para discutir as suas diferenças e encontrar soluções de consenso para a legislação. E houve muita legislação que foi consensual entre democratas e republicanos e havia aquilo que se pode dizer, a discussão e o debate no Parlamento era muito, como é que eu vou dizer? Urbano, não era? Muito elevado e muito, enfim. Cordato. Cordato? Cordato, exatamente. Era essa a palavra que eu estava a propôs. Mas agora já não há isso, quer dizer, o Parlamento americano, uma pessoa, a gente imagina, isto não é um daqueles nossos parlamentos em que as pessoas vêm para se insultarem? É exatamente a mesma coisa. E aí eu penso que este tribalismo político está muito agravado, a ponto de serem... A casa, não é? A casa do Parlamento não consegue, ou agora conseguiu recentemente, eleger um speaker, não é? Um presidente do Parlamento, mas que, por tudo aquilo que me parece, quer dizer, não vai durar muito tempo, porque não vai conseguir fazer passar nenhuma lei, porque não tem nem sequer a totalidade dos seus colegas, enfim. É uma situação muito complexa. Mas isto, o que isto mostra, para voltar ao Trump e ao trumpismo, é que aquilo que se pensava que, bom, estamos numa América pós-racial, estamos numa América desenvolvidíssima, estamos numa América, enfim, de grande... em que o debate decorre de forma acordada e há cooperação entre as diferentes forças políticas, pois o que este fenómeno do Trump revelou é que há uma parte da América que não está lá. Há uma parte da América que ainda não se libertou do racismo, ainda não se libertou da misoginia, ainda não se libertou destas coisas todas, não é? Enfim, interessantemente, os únicos imigrantes que são bem recebidos são os que vêm da Europa. Mas aqueles que vêm da Ásia, que vêm da África, que vêm de outros... Aí, justamente da América Latina, aqui na vizinhança, aí nem pensar. Vamos construir um muro, uma parede, vamos fazer isto. Isto é preocupante. Quer dizer, aquela América que seria o exemplo do que é uma democracia, daquilo que a democracia pode eventualmente alcançar, hoje como hoje, não se sabe, de facto, se o Trump não vai voltar. E se o Trump voltar, o trumpismo volta com muita força e, de facto, esta democracia pode-se desmoronar. Não é? E o desmoronar dessa democracia é o desmoronar provável de muitas democracias, ou seja, a influência dos Estados Unidos não é despreciada, não é? É isso, e é por isso que é importante que todos nós, outros países que queremos seguir a via democrática, tenhamos, digamos, a capacidade de, de alguma forma, indigenizar esta... Esta democracia tem que ser nossa. Não é apenas imitar e papaguear aquilo que se faz lá fora. Tem que ter um conteúdo e um sentido profundamente enraizado na realidade daquilo que nós somos. Se isso não acontecer, pois devemos passar anos e décadas e décadas nesta transição que nunca mais acaba, nesta democracia de muito infortunio, de muita incapacidade, que não nos leva a lado nenhum. Dizer que temos as eleições, temos a política multipartidária, chega, somos democratas, desculpem. Desculpem, desculpem. Isso não é coisa nenhuma. É preciso muito mais para chegarmos a algum lugar. E esse esforço tem que ser nosso. Não é ninguém que nos vai... Nós é que temos que nos sentar entre nós. Mas o que é que isso significa? Como é que chegamos lá? O que é que é preciso? Quem participa nisso? Quer dizer, tem que haver... Nós temos que nos apoderar deste processo de democratizar as nossas sociedades. No entanto, o Trump e o trumpismo é uma escolha também, não é? Ou seja, eles existem. Exato, é isso. Isso é que é... Bom, para mim foi um bocado surpreendente que eles existam e que eles estejam tão fortes. Não é? Tanto numericamente como em todos os outros aspectos. Quer dizer, isto não é... Não é uma coisa de se desprezar. Este trumpismo é, de facto... Quer dizer, aquela América do sul profundo e dos anos 40 e 50 está viva ainda. Deve ter ficado um pouco... Como é que eu vou dizer? Um pouco cautelosa durante algumas décadas. Durante algumas décadas, mas estão lá. Estão lá e não estão convencidos de forma nenhuma que esta democracia americana tem que estar aberta a todos os grupos raciais e sociais dentro dos Estados Unidos. Que acompanhem. Que acompanhem, sim. Isto para não falar de uma coisa que já nem se fala, que é os americanos, os indian-americans. Quer dizer, já não se fala deles porque já não contam, já não têm número. Mas é uma realidade trágica, não é? Que nos faz pensar que esta democracia está baseada em muito sangue, muita opressão, muito sofrimento. Para não falar já da luta dos african-americanos, etc. Isto já é muito mais recente. Mas a começar lá portará as cadeiras. Golpe de Estado. Apareceu uma moda recentemente no Sahel, na África Central e Ocidental. Guiné-Conakry, Mali. Níger, Burkina Faso, Chats, Dão, Gabal. Há coisas em comum. Assalto ao Capitólio nos Estados Unidos era também uma coisa impensável. Estamos com mais de... Já que é um perito em mediação, estamos a conseguir falar uns com os outros ou não estamos mesmo? Ou seja, esse campo de batalha está completamente afirrado. Temos muitos fatores a contribuir para ele, seja a desinformação, seja o efeito da amplificação das redes sociais. Há imensos fatores a dificultar a vida dos profissionais da mediação, ou não? Certamente que há. E um dos fatores... Se nós aceitamos que em muitos destes casos há um regime político que é conservador, que é muito ocioso das suas probativas e dos seus privilégios, e há uma juventude maioritariamente urbana que está ligada com o mundo mais vasto. Seja através do telefone celular, seja através da internet... Esta juventude já não está completamente sob o controle do regime. E cada vez mais falam uma linguagem e têm aspirações que não têm nada a ver com o regime. Portanto, há um desfazamento completo entre o regime e aquilo que ele está tentando fazer e aquilo que as pessoas querem, porque veem que existe isto. Eu quero também ter computador, todas essas coisas que se veem... Porque o mundo está cada vez mais pequeno, está cada vez mais ligado. Mas muitos dos nossos dirigentes não têm essa capacidade de se conectar com o mundo. Portanto, deixam de compreender o que está a passar no seu quintal. E como não há diálogo, como não há conversação, o único diálogo é a violência, é o embate, é a força, então acontecem estas coisas. Agora, no caso dos golpes de Estado, eu não tenho a certeza, por causa que ainda não estudei bem este ressurgimento dos golpes de Estado, mas parece-me que há um elemento, não sei quão determinante será, mas a maior parte dos que constituem a liderança destes golpistas são militares jovens. E que provavelmente têm as mesmas ambições, os mesmos pontos de vista, as mesmas preocupações que os outros jovens. E que, se calhar, porque estes são jovens que têm armas, que têm o poder das armas, são levados a usar esse poder para afastar o regime que está caduco, que está incapaz, que não responde aos anseios da população, etc. Agora, será que estes jovens militares têm a capacidade e têm a estrutura e a organização para introduzir as reformas que são necessárias? A ver, vamos. A experiência mais antiga de golpes de Estado no continente africano, como nós todos sabemos, era substituir um regime autocrático por uma autocracia militar. Mas não havia grandes diferenças. Não tenho memória de algum regime que tenha saído de um golpe de Estado militar em África que tenha democratizado o país. Pode ter acontecido, mas há que ser a exceção e não a regra. Agora, aqui temos que ver. Será que golpes à moda antiga, portanto, tira-se um chefe supremo, põe-se outro chefe supremo e continua a mesma coisa? Ou será que estes jovens militares de hoje querem mais do que isso? Isso tem realmente uma proposta, não é? Isso ainda não sabemos. Ainda resta ver. Eu poderia contar uma história em que fiquei envolvido, mas não sei se temos tempo para isso. Se não for uma longa história, pode contar. Uma história curta. Em fevereiro de 2012, há um golpe no Mali. O presidente foge para o Senegal. Outros ministros vão para outros sítios. E aparece um jovem capitão que se instala como chefe de Estado. Naturalmente, imediatamente, a organização regional acede ao oposto, porque há uma política que é aprovada pela União Africana e aqueles grupos subregionais da África que não hão golpe de Estado. A União Africana não hão golpe de Estado. As Nações Unidas não hão golpe de Estado. E tentam isolar e, digamos, abafar esta coisa. Eu fui mandado para lá, para estar envolvido também nas Nações Unidas. A África Oceânica fazia parte da área geográfica do meu palomo. E então, felizmente, para além de falar com as grandes pessoas, os chefes dos partidos políticos, tive a oportunidade de falar com este jovem capitão, que tinha um discurso muito patriótico, muito nacionalista e muito de classe. Não há dúvida que este sujeito leu várias coisas, passou pelos clássicos do marxismo-leninismo, por aí fora. E ele dizia, não, não, não. Nós o que estamos a fazer é trazer para o poder aqueles que são das classes mais baixas. Para quem? O regime que existia aqui, e também do partido político, mas o regime que existia aqui, o sistema que existia aqui, não se preocupava conosco. Então nós, que somos só bons para estar nas armas, para combater as guerras deste regime, decidimos, não, vamos usar esta nossa capacidade para correr com eles e ver se fazemos uma coisa melhor. Naturalmente que esta era uma proposição inaceitável para a CDAO, para a União Africana e o resto do mundo. Porque então, se acontece assim, a moda pode pegar. E então, este regime dito foi, digamos, foi asfixiado, não é? Ele acabou por sair e foi julgado e foi condenado e foi preso. E depois perdi. Mas era interessante este discurso. Fazia-me lembrar um pouco. Não podia sobreviver como proposta, quero dizer, não é? Ou seja, asfixiado pelo método como se impôs. Nós estamos realmente a chegar ao final do nosso tempo. Há aqui uma nota de Manoel Lopes que lhe dá os parabéns a João Anoana porque o fez regressar aos anos 74 e 75 na Zambésia, tempo de participação, que permitiu uma transição pacífica para a independência. Deixo-lhe uma pergunta. Como retomar a confiança perdida? Eu deixo-lhe a pergunta concíntia também, Cristina. Vamos ter que fazer, pelo menos, mais uma Lisbon Spirit Talk sobre este assunto. Aproveito para agradecer muito a sua participação e a participação de todos que nos estiveram a ouvir. E até à próxima Lisbon Spirit Talk. Obrigado. Um cumprimento muito caloroso ao Manoel Martins Lopes. Eu espero que um dia nos vamos encontrar na Zambésia ou elsewhere. Obrigado.